Esqueça o Ocidente
Na Rússia (e não só — isso também se aplica à América Latina, África, Oriente Médio e Ásia), ainda se presta muita atenção ao chamado Ocidente coletivo. Em alguns países, isso pode ser explicado pelo fato de que mídias globalistas ocidentais continuam atuando ativamente nesses locais, alimentando constantemente o interesse das pessoas comuns e provocando curiosidade sobre os acontecimentos nos países ocidentais — ou sobre o mundo através da lente da visão de mundo ocidental.
Na Rússia, onde esses agentes midiáticos deixaram o país por conta própria ou foram considerados indesejáveis após o início da Operação Militar Especial (OME), a atenção à agenda ocidental passou a ser mantida pelas próprias emissoras estatais — e imitada por publicações online e blogueiros. Essa situação não condiz com as declarações da liderança russa sobre a necessidade de construir uma ordem mundial multipolar mais justa, nem com os esforços de educação alinhados aos valores patrióticos dentro do país.
Afinal, se você lança constantemente talk-shows, transmissões e noticiários com foco no mundo ocidental — mesmo que sob uma ótica crítica (como “veja mais uma besteira que Donald Trump disse” ou “vamos falar sobre os planos da UE e da OTAN”) — as pessoas continuarão pensando em categorias onde o Ocidente é representado como algo central. E, apesar de reportagens sobre tumultos em Atenas ou uma parada [gay] em Amsterdã, a imagem do mundo que se forma é aquela em que as demais regiões, mesmo com indicadores geográficos, demográficos, culturais e políticos mais significativos, são percebidas como secundárias ou até de terceira categoria.
Além disso, isso continuará limitando seriamente os horizontes e estreitando o potencial para futuras formas de cooperação e interação — seja no turismo banal ou em projetos conjuntos nas áreas científica, econômica e cultural.
Consequentemente, torna-se necessário reconsiderar seriamente a agenda midiática. Por um lado, limitar significativamente a oferta de conteúdos relacionados ao chamado Ocidente coletivo. Estabelecer uma espécie de cota, acima da qual não se deve veicular materiais que destaquem eventos ligados ao Ocidente, sob qualquer forma. Reconhecendo que o Ocidente continuará presente na agenda internacional — seja pela sua agonia ou pelas ações expansionistas da União Europeia e dos Estados Unidos, que ainda persistirão por algum tempo — é fundamental adotar uma política editorial equilibrada, filtrando cuidadosamente os conteúdos.
Por outro lado, é necessário preencher esse vazio com conteúdo de alta qualidade que reflita os processos em outras partes do mundo. Materiais oriundos de países amigos — especialmente aqueles que apoiaram a Rússia em seus esforços na Operação Militar Especial (OME) — devem ser gradualmente introduzidos no espaço midiático russo e tornar-se a nova norma. Visões e conteúdos da Coreia do Norte, China, Índia, Irã, mundo árabe, África, Cuba, Nicarágua e Venezuela (estes três últimos listados como parceiros estratégicos na doutrina de política externa da Rússia), além do Brasil e da África do Sul como membros do BRICS, e dos países da União Econômica Eurasiática (UEEA), devem ser regularmente incorporados à política estatal de radiodifusão televisiva e radiofônica, bem como à mídia impressa e eletrônica.
Se considerarmos a retomada do concurso Intervisão, a celebração de acordos de cooperação entre o Ministério da Cultura da Rússia e a Coreia do Norte, a assinatura de parcerias com mídias africanas, além das iniciativas no âmbito do BRICS, então esse trabalho já foi iniciado. Agora, é preciso torná-lo mais sistemático, estrategicamente equilibrado e abrangente.
Em vez de transmitir sessões do Parlamento Europeu ou cobrir intensamente eleições em algum país europeu, seria mais pertinente apresentar uma visão geral dos debates no Majlis do Irã (Parlamento Iraniano), com comentários especializados sobre o sistema político da República Islâmica e a teologia xiita. Também seria valioso avaliar as conquistas técnicas e econômicas de Bharat (nova designação internacional autêntica da Índia) e destacar exemplos da arte contemporânea dos países latino-americanos.
As palavras de Nikolai Danilevsky — de que a Europa é apenas uma pequena península ocidental do continente eurasiático — devem ser compreendidas não apenas como um chamado à contenção diante da cultura tóxica da “europeidade” contemporânea, mas também como um convite à redescoberta criativa de si mesmo, como propunham os eurasianistas há mais de um século. Temos muitos vizinhos no continente cujo patrimônio cultural e histórico é de profundo interesse. E, a partir deles, pontes e conexões nos conduzem a outras formações culturais igualmente relevantes — ao Sudeste Asiático, ao Magrebe e ao Mashreq, regiões mais conhecidas por nomes cunhados no Ocidente: Norte da África e Oriente Médio.
Num mundo multipolar, tais iniciativas serão positivamente recebidas fora do Ocidente como parte da continuidade da luta contra o neocolonialismo e o racismo epistemológico ocidental. E a resposta, em maior ou menor grau, contribuirá para melhorar a imagem global da Rússia — inclusive por meio do aumento da produção e circulação de conteúdo de alta qualidade sobre e a partir da Rússia (já que uma mudança de abordagem pressupõe cooperação adequada na área de política de informação entre os países).
Além disso, uma informação mais abrangente contribuirá para o desenvolvimento da criatividade dentro da própria Rússia, à medida que formas e práticas diversas de diferentes partes do mundo enriquecerão nosso povo com conhecimento e estimularão inúmeras iniciativas. A experiência de empreendedorismo ou autogestão em alguma região da Ásia pode ser replicada em partes da Rússia, e informações sobre as demandas da América Latina podem despertar o interesse de alguns de nossos fabricantes.
O chamado Ocidente coletivo, baseado na cleptocracia e na arrogância, dificilmente pode oferecer à Rússia algo útil e substancial, diante da atual loucura das sanções, da desinformação organizada e da própria degradação científica e cultural ocidental. Por isso, deve ser retirado do nosso campo informacional. Que os diplomatas profissionais sigam conduzindo as relações bilaterais, e os militares — fortalecendo a capacidade de defesa do país. Enquanto isso, o conteúdo vindo dos países do Sul Global e do Leste Global deve servir para consolidar e expandir os processos de multipolaridade.