Guiné, Uma Terra Multimilenar De Pan-Africanismo

17.02.2025

Desde o início de sua história, a Guiné, com suas muitas comunidades de destino, sempre foi uma terra de multiculturalidade africana endógena, solidariedade e unidade na diversidade. A Guiné desempenhou um papel impactante no pan-africanismo anticolonial inicial e continua a ser o emblema da emancipação, autodeterminação e soberania.

DOS IMPÉRIOS AO PAN-AFRICANISMO

Desde 12.000 a.C., o território hoje chamado Guiné tem testemunhado a existência de várias configurações de estados com diferentes populações e tradições. É um erro pensar que a história da Guiné (ou de qualquer outra nação africana) é recente. Na realidade, a África tem uma meta-história que remonta aos tempos mais remotos. A história da Guiné é mais antiga do que muitas pessoas imaginam. Na Guiné atual, houve várias configurações imperiais baseadas no conceito de “comunidade estendida”, “grande aliança”, “família estendida”: o Wagadugu (ou seja, a antiga Gana, que incluía Guiné, Senegal, Mali, Mauritânia) do século X ao XI d.C., o Manden (que incluía Guiné, Mali, Gâmbia, Guiné-Bissau, Mauritânia, Níger, Senegal) do século XIII ao XVII d.C., o Songhai do século XV ao XVI d.C., o Reino Soso, o teocrático Futa fundado pelos Fulani em 1725, o Império Tukolor, o Reino Kissi, o Império Wassoulou no final do século XIX e assim por diante. O nome Guiné (no sentido exógeno) surgiu apenas em 1300 e deriva da expressão berbere “Akal n’Iguinawen” que significa “A Terra dos Negros”. Existe outra versão endógena: “Guinè” que na língua Susu (língua de uma comunidade da Guiné, herdeira do grande Reino de Soso) significa “Mulher”. Para alguns, portanto, a origem do termo Guiné deriva de Guinè e da interpretação desta palavra pelos exploradores portugueses. Não è à toa que hoje na saída do Aeroporto Internacional Sékou Touré se pode notar uma estátua de uma grande Mulher, em relação ao profundo significado da palavra Guinè. De qualquer forma, todos os Impérios e Reinos mencionados acima se reconheciam como um único grande Todo com comunidades organizadas em Estados dentro deles. Ao contrário da versão da historiografia ocidental, os Africanos que povoaram o que hoje è a Guiné desenvolveram a noção de um Estado: a Carta de Kurukan Fuga (também conhecida como Carta de Manden na UNESCO) de 1235-1236, promulgada após a fundação de Manden sob a liderança de Sundiata Keïta (1190-1255), è uma evidência disso. A Carta Kurukan Fuga conseguiu manter a coesão social, a unidade, os direitos da comunidade e do indivíduo, a defesa das mulheres como representante preponderante na sociedade, a defesa do meio ambiente, a defesa da liberdade e da propriedade privada (no sentido africano). Esta Carta manteve a estabilidade no Manden e isso encorajou a inovação e a pesquisa: Abu Bakr II, atraído pela curiosidade sobre o que estava presente além do Oceano Atlântico, organizou expedições em 1312 em direção às Américas (conforme explicam autores como Ivan Van Sertima, Pathé Diagne e Runoko Rashidi). Kanku Musa Keïta (1280-1337) assumiu o poder de seu irmão Abu Bakr II (durante sua viagem às Américas) e tornou-se famoso pela construção de universidades, locais de culto e por sua peregrinação a Meca. Sua riqueza era imensurável. Ele foi o homem mais rico da história. Não faltaram grandes homens e mulheres. Entretanto, desequilíbrios endógenos e exógenos desmantelaram os vários Impérios e Reinos. Homens como Kissi Kaba Leno (também conhecido como Kissi Kaba Keïta), Samory Ture (suas técnicas militares estavam entre as melhores), Alpha Yaya Diallo, entraram para a história por terem lutado ardentemente contra a penetração colonial europeia no final do século XIX.

Naquele período de (des)ordem infelizmente estabelecida, surgiu uma corrente: o Pan-Africanismo. Essa ideologia anticolonial baseada na unidade global dos Africanos e Afrodescendentes surgiu em uma grande diáspora Negra (os Kilombos no Brasil, a Revolução Haitiana, as ideias de retorno à Terra de Martin Delany, Robert Campbell, Marcus Garvey) e foi recuperada pelos apóstolos da descolonização no continente africano (Kwame Nkrumah, Jomo Kenyatta, Modibo Keïta, Hailé Sélassié,…). No caso da Guiné, foi recuperado por Ahmed Sékou Touré (bisneto do resistente-imperador Samory Ture) com seu partido PDG-RDA (Parti Démocratique de Guinée – Rassemblement Démocratique Africain). Sékou Touré, um fervoroso pan-africanista revolucionário, a favor da unidade continental para superar o colonialismo e o modelo capitalista, foi o primeiro presidente da Guiné em 1958 e foi ele quem lhe deu a independência em 2 de outubro de 1958. Meu avô materno Fara François Kamano (1935-2017), membro do PDG-RDA, deputado à assembleia nacional nos anos 70, diplomata, governador, escritor, professor de literatura, membro do Conselho dos Sábios de Gueckedou, desempenhou um papel importante durante a independência da Guiné (um dos seus filhos, o meu tio Tamba Benoit Kamano, è hoje Ministro Secretário-Geral do Governo da Guiné no governo de Mamady Doumbouya). O PDG-RDA teve um impacto verdadeiramente pan-africanista e soberanista, particularmente na questão da moeda: a Guiné foi uma das poucas nações africanas a ter optado pela soberania monetária em 1º de março de 1960, começando a imprimir o franco guineense. Este ato nos permitiu escapar do colonialismo monetário do Franco CFA. O governo de Sékou Touré também trabalhou para estabelecer uma confederação regional com Gana, de Nkrumah, e Mali, de Modibo Keïta. Diversas situações exógenas impediram a consolidação deste projeto. O governo de Sékou Touré não era capitalista nem socialista no sentido soviético: defendia um socialismo com características guineenses, em torno da “Comunocracia”, em que os valores tradicional-religiosos e a justiça social andavam de mãos dadas. A Guiné também è lembrada por ter sido uma terra pan-africana de boas-vindas para importantes figuras Negras em perigo nos países onde residiam: Miriam Makeba (1932-2008), cantora sul-africana e ativista antiapartheid, Stokely Carmichael Kwame Ture (1941-1998), militante afro-americano do Black Power, Kwame Nkrumah (1909-1972), primeiro presidente de Gana, que foi recebido na Guiné após um golpe de estado, Amílcar Cabral (1924-1973), revolucionário da Guiné-Bissau, Paul Bernard Kemayou (1938-1985), revolucionário camaronês. O Pan-Africanismo de Sékou Touré perturbou os colonos, razão pela qual eles nunca pararam de demonizá-lo. Após sua morte em 1984, Lansana Conté (1934-2008) assumiu o poder: embora fosse um grande estadista, ele, ao contrário de Sékou Touré, estava em uma lógica de liberalização em alguns aspectos. Após sua morte em 2008, o militar Moussa Dadis Camara (figura ligada ao massacre de 28 de setembro de 2009, no qual alguns guineenses morreram após uma manifestação violentamente reprimida) assumiu o poder, e de 2009 a 2010 Sekouba Konaté assumiu o poder. Em 2010, Alpha Condé foi eleito democraticamente e cumpriu dois mandatos. Inicialmente considerado o “Nelson Mandela da Guiné”, ele era visto como uma esperança para uma grande maioria. Um exemplo de democracia e justiça social. Mas seu governo se tornou, com o tempo, especialmente no final de seu segundo mandato, essencialmente corrupto, injusto, classista, amigo dos inimigos do continente africano, como Bolloré e Soros. Sua tendência autoritária (no sentido repressivo) degenerou quando ele modificou a constituição para um terceiro mandato. O descontentamento aumentou, e a sociedade civil pan-africanista e soberanista foi às ruas para protestar contra o regime de Condé. Em 5 de setembro de 2021, o exército, numa lógica de restauração do Estado, demitiu Alpha Condé: o novo homem forte no comando da Guiné è o presidente Mamady Doumbouya. Sua ideologia baseada no pan-africanismo, no patriotismo guineense e no soberanismo estava ausente desde a época de Sékou Touré. As referências de Mamady Doumbouya são, na verdade, Jerry Rawlings (1947-2020), ex-estadista pan-africanista de Gana, e Thomas Isidore Sankara (1949-1987), ex-estadista revolucionário pan-africanista de Burkina Faso. Mamady Doumbouya è o homem que a Guiné precisa para refundá-la em torno do pan-africanismo soberano. Além disso, sua política è patriótica e africana e ele deixou isso claro: Guiné e África são soberanas e não buscam senhores, nem querem substituí-los. Em setembro de 2023, em um discurso na ONU, Mamady Doumbouya declarou: “O povo africano está cansado, exausto pelas categorizações com as quais todos querem nos prender (…) Não somos nem pró nem antiamericanos, nem pró nem antichineses, nem pró nem antifranceses, nem pró nem antirussos, nem pró nem antiturcos. Somos simplesmente pró-africanos. (…) È hora de parar de nos dar sermões, de parar de nos tratar com condescendência, como crianças.” Mamady Doumbouya representa uma nova configuração de soberanismo na África Ocidental que representa o protótipo da emancipação africana de acordo com o besoin du peuple.

A GUINÉ COMO CENTRO DE GRAVIDADE PARA OS NEGROS

Há anos venho defendendo um pan-africanismo inaugural em sintonia com os tempos e, sobretudo, alinhado com uma descolonização profunda. Se no início dos anos 1900 o problema era o colonialismo, em meados e finais dos anos 1900 o problema era o neocolonialismo, hoje o problema è o globalismo neoliberal nos campos económico e social. A geração pan-africanista da qual faço parte deve ser capaz de desconstruir definitivamente o globalismo neoliberal. Se a África è o Berço da Humanidade, será o túmulo do globalismo neoliberal. Devemos abraçar o multipolarismo, diversificar as parcerias com os poloneses que resistem ao globalismo neoliberal, mantendo nossa identidade e nossos valores civilizacionais. A África será o centro de gravidade da Mundo multipolar. A Guiné, que è um mosaico de populações de tempos primordiais, que è o símbolo da resistência africana, do acolhimento e do pan-africanismo, deve ser um centro de gravidade para os Negros em todo o mundo. O conceito de Império, no sentido de aliança e solidariedade, deve retornar!

Fara-Fin Sâa François Sandouno, Homem Africano nascido na Itália, Sobrinho do Ministro Secretário-Geral do Governo Guineense Tamba Benoit Kamano, Presidente-Fundador do Universal Black Civilization Power, Pensador Afrocêntrico, Conferencista, Editor.